Polícia usa recursos de quadrinhos e fotonovelas para reconstituir morte de comerciante que descobriu traição

Elementos gráficos usados pela perícia servem para facilitar a simulação apresentada pelo cunhado e irmã da vítima, Mario Vitorino e Marcelly Peretto. Viúva Rafaela Costa não participou porque deixou o local do crime segundos antes do marido chegar. Ela é investigada por atraí-lo ao apartamento.

Reconstituição da morte de Igor Peretto foi registrada em história em quadrinhos — Foto: Laudo pericial

Reconstituição da morte de Igor Peretto foi registrada em história em quadrinhos — Foto: Laudo pericial

A reconstituição do caso em que o comerciante Igor Peretto foi morto a facadas após descobrir uma traição em Praia Grande, no litoral de São Paulo, foi registrada pela Polícia Civil em uma história em quadrinhos. De acordo com o laudo da perícia, o cunhado e a irmã da vítima, Mario Vitorino e Marcelly Peretto, participaram da simulação e apresentaram versões contraditórias.

O crime aconteceu em 31 de agosto. Dentro do imóvel, estavam a vítima, Marcelly (irmã) e Mario (cunhado e sócio de Igor). Rafaela Costa (viúva) chegou com Marcelly, mas deixou o local 13 segundos antes do marido chegar com Mario. O MP-SP concluiu que ela ‘atraiu’ Igor para o assassinato.

De acordo com os depoimentos do trio e dos advogados, a viúva Rafaela tinha um caso com Mario. Além disso, o advogado de Marcelly chegou a dizer que a cliente e Rafaela tiveram um envolvimento amoroso no apartamento antes da chegada de Igor e Mario no imóvel.

Laudo apontou que as versões de Mario Vitorino e Marcelly Peretto são contraditórias entre si — Foto: Laudo pericial

Laudo apontou que as versões de Mario Vitorino e Marcelly Peretto são contraditórias entre si — Foto: Laudo pericial

A equipe de reportagem teve acesso, neste domingo (3), ao laudo feito pela Polícia Técnico-Científica do Instituto de Criminalística (IC) sobre a reconstituição do crime. A simulação, que aconteceu em 25 de setembro, encenou as versões apresentadas por Marcelly e Mario com o auxílio de policiais civis.

No documento, o perito criminal explicou que as ilustrações das versões “seguem um padrão similar aos de fotonovelas e de histórias em quadrinhos”. O objetivo foi facilitar a compreensão das cenas apresentadas pelos investigados para uma minuciosa análise das versões.

Além das fotos capturadas durante a reconstituição, de acordo com o laudo, também foram utilizados elementos gráficos e textuais, comuns em histórias em quadrinhos. Entre eles: Quadros de legenda, balões de fala e onomatopeias [figura de linguagem que usa palavras para imitar sons].

Onomatopeias foram usadas pela perícia para reconstituir morte de comerciante em Praia Grande (SP) — Foto: Laudo pericial

Onomatopeias foram usadas pela perícia para reconstituir morte de comerciante em Praia Grande (SP) — Foto: Laudo pericial

A primeira versão foi a de Marcelly. Igor e Mario foram interpretados por policiais civis. Confira o passo a passo, de acordo com a irmã da vítima:

  • Igor e Mário entraram no apartamento após Mário destrancar a porta de entrada com a senha. Enquanto isso, Marcelly estava deitada no quarto da suíte;
  • Eles entraram discutindo no quarto onde estava Marcelly porque a vítima queria esclarecer um suposto caso amoroso entre a esposa e o cunhado. Nesta cena, o perito usou onomatopeias que representam discussão e injúria, cujas falas não foram especificadas pela investigada;
  • Em seguida, ainda de acordo com Marcelly, Igor chutou várias vezes a porta do guarda-roupa até cair e quebrar o espelho em vários pedaços, momento em que a perícia usou “POW!, POW!, POW!”;
  • Marcelly explicou que o irmão abaixou e pegou um caco de vidro do espelho, mas ela levantou e saiu do quarto, passando pela porta do guarda-roupa que estava tombada. Onomatopeias de discussão entre os homens foram usadas;
  • Ela entrou em outro quarto e mexeu em algumas roupas que estavam em cima da cama, enquanto escutava a discussão entre Igor e Mario. Marcelly não detalhou as falas dos homens;
  • Marcelly percebeu que Igor e Mário passaram pela porta do quarto, indo em direção à cozinha e sala de estar. Foi quando, segundo ela, começou a gritar por ajuda;
  • Poucos minutos depois, Marcelly saiu do quarto e foi em direção à suíte. Ela disse ter visto Mario saindo de cima do Igor com uma faca na mão;
  • Marcelly afirmou que Mario a obrigou deixar o local com ele. A perícia usou um balão de fala: “Agora você vai comigo. Se não, vou fazer o pior!”;
  • Mario jogou a faca no banheiro do corredor — “Vupt” foi a onomatopeia usada;
  • Os dois saíram do apartamento e a simulação terminou com a palavra “fim”, assim como em histórias em quadrinhos.
Palavra 'fim' foi colocada no final das versões dos investigados, como em uma história em quadrinhos — Foto: Laudo pericial

Palavra ‘fim’ foi colocada no final das versões dos investigados, como em uma história em quadrinhos — Foto: Laudo pericial

A segunda versão foi a de Mario. Igor e Marcelly foram interpretados por policiais civis. Confira o passo a passo, de acordo com o sócio e cunhado da vítima:

  • Mario e Igor chegaram no apartamento após terem sido anunciados pelo porteiro e Marcelly autorizar. Ele afirmou ter destrancado a porta com a senha, enquanto a vítima estava nervosa e discutindo. Onomatopeias de xingamento foram utilizadas pela perícia;
  • De acordo com Mario, Igor estava bastante nervoso e trincou a mesa após bater com a mão. Neste momento, o perito descreveu a cena com xingamentos e “POW!”;
  • Os dois seguiram para a suíte, onde Marcelly estava deitada e nua. Ela se levantou, enquanto Igor estava inconformado com um caso amoroso entre a esposa Rafaela e Mario. Por este motivo, ele afirmou ter sido ameaçado de morte pelo comerciante;
  • Igor mexia no celular, quando sentou na cama e chutou a porta do guarda-roupa, quebrando o espelho. A perícia usou a onomatopeia “POW!”. Marcelly saiu do quarto e o Igor foi atender o interfone;
  • Em seguida, Mario disse que o comerciante voltou para a suíte e retomou a discussão, dando um soco no rosto e um chute nele. Depois, Igor teria pegado um pedaço de vidro no chão, enquanto o sócio se afastava. Os elementos gráficos foram de movimento brusco e “POW!”;
  • Mario afirmou que Igor avançou contra ele com o pedaço de vidro, momento em que apareceu o balão de fala com o grito de Marcelly: “Socorro, polícia”. Apesar disso, ele afirmou ter sido atingido pelo pedaço de vidro na mão direita em uma tentativa de se proteger. Para esta cena um movimento brusco e um balão de xingamento foram usados pelo perito;
  • De acordo com Mario, Igor seguia tentando golpeá-lo, então pegou uma faca que tinha na pia. O comerciante teria dado mais um soco em direção ao rosto do sócio. Neste momento, Mario conseguiu esfaquear o rosto de Igor algumas vezes. Os elementos usados no laudo foram os seguinte: “Pow!”, “Tchuff” e movimento brusco;
  • Mario disse ter empurrado Igor até a suíte enquanto tinha o pescoço apertado pelo comerciante. Na entrada do quarto, Mario afirmou que deu uma joelhada em Igor que, segundo ele, se abaixou e recebeu uma facada nas costas e algumas na região do peito — “Tchuff” e movimento brusco foram colocados no laudo;
  • Ambos caem no chão e o guarda-roupa cai em cima deles. Mario disse ter levantado e saído da suíte, enquanto Marcelly deixou o outro quarto. Ele cravou a faca no assento do sofá e apoiou a mão ensanguentada no estofado;
  • Mario contou que chamou Marcelly para sair com ele, o seguinte balão de fala é colocado: “Vamos embora! Como você [vai] explicar isso?”. Na sequência, Mario contou que Marcelly pegou alguns documentos em um armário da sala, enquanto ele retirou a faca do sofá e a jogou na pia do banheiro. Ambos saíram do apartamento.

De acordo com o laudo da perícia, as versões apresentaram contradições, além de alterações em relação aos depoimentos que ambos haviam prestado na delegacia.

Ainda de acordo com o documento, algumas ações encenadas também não corresponderam com o exame necroscópico realizado no corpo de Igor.

Reconstituição da morte de comerciante em Praia Grande (SP) foi registrada em história em quadrinhos — Foto: Laudo pericial

Reconstituição da morte de comerciante em Praia Grande (SP) foi registrada em história em quadrinhos — Foto: Laudo pericial

E a viúva?

Os advogados da viúva, Marcelo Cruz, e da família da vítima, Felipe Pires de Campos, participaram da reconstituição do crime.

Cruz, advogado de Rafaela, esclareceu que a cliente não estava no local no momento do crime, o que levou o delegado a decidir que não era necessário sua presença na reconstituição.

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) denunciou o trio preso pelo assassinato, o que pode levá-lo a júri popular. O órgão concluiu que Rafaela, que se relacionava com Mario e Marcelly, fez ciúme para “atrair” o marido até o apartamento da irmã dele, onde foi morto a facadas pelo cunhado.

De acordo com o MP-SP, apesar da esposa ter sido filmada deixando o imóvel antes do crime, ela participou do “plano mortal” e até fez pesquisas sobre em “‘quanto tempo o corpo demora a feder?”.

Rafaela Costa, viúva de Igor Perotto, chegou para prestar depoimento na DIG de Praia Grande, SP — Foto: Matheus Croce/g1

Rafaela Costa, viúva de Igor Perotto, chegou para prestar depoimento na DIG de Praia Grande, SP — Foto: Matheus Croce

Prisões

As mulheres se entregaram e foram presas em 6 de setembro, enquanto Mário foi detido após ser encontrado escondido na casa de um tio de Rafaela, em Torrinha (SP), no dia 15 do mesmo mês.

O trio havia sido preso temporariamente em setembro e, no início de outubro, a prisão temporária foi prorrogada. Na ocasião, a defesa de Rafaela chegou a entrar com pedido de habeas corpus, que foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Justiça de Praia Grande (SP) converteu as prisões do trio, de temporárias para preventivas, após a denúncia feita pelas promotoras Ana Maria Frigerio Molinari e Roberta Bená Perez Fernandez, do MP-SP.

Manchas de sangue

Segundo o laudo, as manchas de sangue foram os principais vestígios encontrados pela perícia. Elas estavam no corredor do prédio e dentro do apartamento.

Do lado de fora do imóvel apresentavam-se como pingos. Eles estavam na escadaria entre o 4ª andar, onde mora Marcelly, e o 2º andar. De acordo com o documento, essas informações sugerem que o suspeito foi ferido, o que pode ajudar nas investigações por meio de exames de DNA.

No interior do apartamento, as manchas estavam espalhadas por vários cômodos, principalmente na sala, na cozinha, no corredor e na suíte, onde o cadáver foi encontrado. O laudo aponta que os sinais encontrados indicam uma luta intensa pelo imóvel.

Marcas de sangue encontradas no apartamento de Marcelly Peretto, no dia da morte do irmão, Igor Peretto — Foto: Laudo pericial

A faca, considerada pela perícia como provável instrumento usado no crime, estava coberta de sangue e foi encontrada no chão do banheiro social. Ela tem 36 cm de comprimento total, 23 cm de lâmina pontiaguda e uma largura máxima de 5 cm.

Após a faca ser examinada para coleta de impressões digitais, o perito responsável concluiu que, pela natureza de suas características, ela era capaz de causar as lesões observadas no cadáver.

O documento revelou, ainda, que a ponta da lâmina estava ligeiramente entortada, o que sugere que a faca pode ter sido usada com força considerável durante o ataque.

Sinais de luta

A porta do guarda-roupa na suíte, onde o corpo foi encontrado, estava danificada e tombada. Tal situação pode sugerir uma briga intensa no local, de acordo com o perito.

Outro aspecto que chamou a atenção: os danos nos batentes das portas do banheiro e do quarto entre o banheiro e a suíte. Eles apontam, de acordo com o documento, para uma tentativa de arrombamentos. Entretanto, não foram encontrados fragmentos de madeira, o que pode dar a entender que os danos seriam anteriores.

Casais estavam dentro do apartamento onde Igor Peretto foi encontrado morto em Praia Grande (SP) — Foto: Yasmin Braga/g1 e Reprodução/Redes Sociais

Cronologia do crime

O que se sabe sobre a cronologia do crime:
04:32:38 –
 Marcelly e Rafaela chegam de carro ao prédio de Marcelly;
05:40:17 – Rafaela vai embora do apartamento de Marcelly;
05:42:27 – Rafaela deixa o local com o carro;
05:42:40 – Mario e Igor chegam ao prédio de Marcelly;
05:44:40 – Mario e Igor saem do elevador em direção ao apartamento de Marcelly;
06:04:31 – Mario e Marcelly saem do apartamento pelas escadas e acessam o subsolo, logo após o homicídio;
06:05:03 – Mario e Marcelly saem pela rampa do subsolo e vão em direção ao carro dele;
06:05:25 – Mario e Marcelly partem de carro em direção ao apartamento dele;
06:11:29 – Mario e Marcelly chegam ao prédio dele;
06:16:44 – Mario e Marcelly deixam o prédio dele e fogem;
08:48:00 (aproximadamente) – Mario e Marcelly se encontram com Rafaela em um posto na Rodovia Governador Carvalho Pinto, no km 124, em Caçapava (SP), onde a viúva abandonou o carro e embarcou no carro do amante, onde já estava a irmã da vítima;
09:47:42 – Mario, Marcelly e Rafaela chegam em Campos de Jordão (SP), onde a irmã da vítima teria entrado em um carro por aplicativo e retornado para Praia Grande;
12:28:00 – Mario e Rafaela se hospedam em um motel em Pindamonhangaba (SP), onde permanecem até 15h37. No mesmo dia, abandonam o carro dele no Centro da cidade.

Últimas imagens de Igor

Com acesso às últimas imagens do comerciante com vida. Os vídeos mostram os três suspeitos e a vítima chegando ao apartamento onde ocorreu o crime. Primeiro, chegam Marcelly e Rafaela, mas a viúva deixa o apartamento antes de Mario aparecer com Igor.

Nas imagens, obtidas pelo g1, é possível ver Rafaela e Marcelly chegando de carro e subindo de elevador até o apartamento da irmã da vítima, por volta das 4h30. A esposa de Igor deixou o local sozinha, cerca de dez minutos depois, antes da chegada dos homens.

Vídeos mostram momentos antes e depois do assassinato de comerciante que descobriu traição

Igor e Mario também foram filmados chegando de carro ao prédio, às 5h42. A dupla subiu de elevador aproximadamente dois minutos depois. Na ocasião, o comerciante parecia questionar o cunhado antes de acessar o imóvel da irmã. Este é o último registro dele, feito pelas câmeras de monitoramento.

Mario e Marcelly são casados no papel, mas já não estavam mais juntos. O crime aconteceu no imóvel dela, onde foram filmados saindo às 6h04. O casal desceu pelas escadas, foi até o subsolo e deixou o prédio a pé pela garagem.

Câmeras filmaram Igor Peretto (à dir.) chegando ao apartamento junto com Mario Vicentino (à esq.) — Foto: Reprodução

De lá, os dois foram de carro para o apartamento de Mário, que fica a poucos quilômetros de distância do local do assassinato. Eles chegam ao prédio às 6h11, ficaram aproximadamente cinco minutos e saíram segurando bolsas e outros objetos.

A Polícia Militar foi acionada pela síndica. Com a ajuda de um chaveiro, solicitado por ela, a porta foi aberta e os agentes notaram sinais de sangue no corredor. Eles encontraram o corpo de Igor caído em um quarto, próximo da janela.

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