Confusão aconteceu dentro de um bar. Polícia foi acionada e está investigando o caso.
Uma mulher de 29 anos afirma ter sido agredida após sofrer injúria racial dentro de uma galeria em Santos. A analista de atendimento ao cliente Latoya Cristina Ferraz contou, nesta quinta-feira (1º), que levou uma ‘voadora’ do proprietário de um bar após discutir com a mãe dele, que agiu de forma preconceituosa com ela. O advogado que representa o estabelecimento nega que houve injúria racial e afirma que a idosa de 67 anos também foi agredida por Latoya.
Em entrevista, a analista de atendimento ao cliente conta que foi para um ‘happy hour’ com quatro amigas em um bar na Galeria Casa Velha, no bairro do Gonzaga. No entanto, o estabelecimento estava fechado e, por isso, ela saiu para fumar na área externa da galeria junto com a consultora de projetos Gabriela Ventura, de 32 anos.
A dupla afirma que ficou em frente a algumas mesas de um outro estabelecimento e, em certo momento, chegou um ambulante vendendo paçoca. “Ele falou: ‘moça, posso pegar um palito de dente?’ Então a gente virou e disse: ‘claro, pode pegar’. Quando ele foi pegar o palito, uma senhora [a idosa de 67 anos] veio correndo de onde estava”, relembra Latoya.
De acordo com ela, a mulher disse que o ambulante não poderia pegar o item e mandou ele ir embora. Ele saiu do estabelecimento e as amigas questionaram o motivo da mulher agir de forma grosseira com o homem. “Aí ela falou: ‘o bar é meu e eu faço o que eu quiser, eu que pago esses palitos’”, afirma Latoya.
Segundo as amigas, elas se ofereceram para pagar o item, mas não foram autorizadas pela mulher. “Ela disse: ‘esse homem passa aqui toda hora, eu já estou de saco cheio, vocês nem estão no meu bar’. Foi uma grosseria sem limites”, enfatiza a analista.
A confusão seguiu quando Latoya e Gabriela disseram que o bar estava perdendo duas possíveis clientes por conta de um palito de dente. “Nisso, o filho dela [e proprietário do bar na área externa] entrou na discussão e começou a falar: ‘se está com dó do moço, vai atrás dele e adota’. E a senhora falou: ‘não fala mais com ela [Latoya], olha a …’ e fez o gesto com a mão por conta da minha cor”, relembra a analista de atendimento ao cliente.
Indignada, a analista questionou se a idosa estava se referindo ao fato dela ser negra. “Falei: ‘você está falando da minha cor? Não acredito’. E ela continuou fazendo o gesto [apontando para o braço], mas quando peguei o celular, parou”, conta Latoya, que diz ter ficado nervosa e chamado a família de racista.
Gabriela diz que testemunhou tudo e ficou revoltada com a situação. “Eu estava desde o princípio incluída na mesma discussão sobre o palito de dente. Mas, por ser branca, em nenhum momento eles direcionaram injúrias para mim. A justificativa para não valer a pena conversar com a gente era pela cor da minha amiga”, ressalta.
Após o ocorrido, a dupla resolveu voltar ao bar onde estavam as outras amigas. Segundo elas, a idosa as interrompeu para seguir a discussão pelo palito de dente.
“Me empurrou. Nisso que ela me empurrou, eu empurrei de volta. Nisso, só senti uma coisa muito pesada nas minhas costas e fui caindo. Depois que eu vi que foi uma voadora que eu levei pelas costas do filho dela”, relembra Latoya.
Ela afirma que caiu sobre a idosa após ser atingida pelo golpe. A partir daí, as pessoas passaram a intervir. Com a confusão, a analista diz ter ferido o antebraço, o tornozelo direito, o cotovelo e o joelho esquerdo. Ela foi até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) após a Polícia Militar (PM) ser acionada.
Testemunha de toda a confusão, Gabriela ficou impressionada com as cenas. “A maior agressividade durante a discussão foi reservada contra a Latoya, apesar de eu estar falando tanto ou até mais do que ela”, afirma, dizendo ainda que ficou preocupada com a violência do homem contra a amiga. “Ele tinha o dobro do tamanho dela. Poderia ter sido uma tragédia”, enfatiza.
Acusados
O advogado Bruno Bottiglieri, que representa o comércio Bar da Casa, informou que a colaboradora de 67 anos é mãe do proprietário e foi constrangida por “uma cliente de outro estabelecimento visivelmente alterada pelo consumo de bebida alcoólica”, que a acusou de racismo após a mulher ter “solicitado a um morador de rua que devolvesse objetos que tinha pego de uma mesa sem autorização”.
“A cliente ainda a constrangeu filmando sua face enquanto lhe acusava de prática racista sabidamente inverídica e, ao se encontrarem no corredor, a colaboradora foi encurralada e brutalmente agredida com um golpe na cabeça, bem como, teve dois dedos da mão quebrados por torção, sendo somente interrompida as agressões em decorrência da intervenção do filho da colaboradora e de outros consumidores que ali se encontravam”, diz a nota enviada à reportagem.
Ainda segundo o posicionamento, a colaboradora está passando por acompanhamento médico e a necessidade de procedimento cirúrgico será avaliada. Além disso, ela está com medo, pois “tomou conhecimento através de rede social acerca de mensagens de que iriam lhe atear fogo em razão da caluniosa acusação de racismo”.
Segundo o advogado, o Bar da Casa não compactua com nenhuma forma de discriminação, está à disposição das autoridades e “buscará responsabilizar as envolvidas no respectivo episódio e outras que vem ameaçando”. Além disso, o estabelecimento “entende como abominável valer-se de algo tão sério que é o racismo como forma justificar agressões físicas”.
Polícia
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), o caso foi registrado como injúria racial e vias de fato na Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Santos.
“A vítima, uma mulher de 29 anos, alegou ter sido alvo de racismo de uma idosa, de 67. Posteriormente, as partes se desentenderam e sofreram ferimentos leves”, diz a nota, informando ainda que a ocorrência foi encaminhada para o 7° DP, que investiga o caso.
Estabelecimentos
A Galeria Casa Velha, onde aconteceu a ocorrência, informou que está acompanhando a situação com a polícia e não compactua com qualquer tipo de discriminação ou agressão.
Já o Merlô – estabelecimento em que as amigas faziam o happy hour – publicou uma nota nas redes sociais se solidarizando com Latoya “que, infelizmente, foi vítima de racismo covarde dentro do espaço coletivo em que estamos localizados, por pessoas que não representam o espírito plural que sempre teve a Galeria Casa Velha”.
O comércio informou que repudia qualquer tipo de preconceito ou discriminação. “Aqui é, sempre foi e sempre será um lugar de extremo acolhimento e luta por um mundo melhor”, diz a nota do Merlô, que afirma estar acompanhando as investigações.
Injúria
De acordo com Latoya, a injúria racial ‘dói demais’. “É devastador porque a gente não sabe o que fazer, como reagir, a gente se sente envergonhada. Estava morrendo de vergonha e até agora estou por isso ter acontecido no meio da rua, enquanto eu estava com as minhas amigas, em um lugar que eu costumo frequentar, perto de onde eu moro e trabalho. É horrível”, lamenta.
Apesar de todas os sentimentos dela, a analista diz que o homem que a agrediu agiu normalmente. “Continuou sentado tomando cerveja enquanto a polícia chegava e eu estava morrendo de vergonha, misturada com raiva e medo disso ficar impune”, afirma a mulher, dizendo que não deixou o caso passar, pois isso faz com que injúrias raciais continuem acontecendo. “Vou levar isso para frente”, finaliza.