Lojistas relatam ter buscado ajuda para evitar roubos e furtos aos estabelecimentos. Lei municipal proíbe guardas de serem sócios ou donos de firmas.
Comerciantes que atuam região da Cracolândia relataram nesta quarta-feira (7) não saber que Guardas Civis Metropolitanos (GCMs) estavam por trás de uma empresa de segurança privada contratada por eles. A prática vai contra uma lei municipal, e os envolvidos são investigados pela Corregedoria da guarda e, também, pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo.
Sete agentes foram afastados na terça-feira (6) depois que o caso veio à tona, revelado pela TV Band. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou nesta tarde que pediu ao Ministério Público (MP) a prisão de um dos guardas suspeitos de envolvimento com o esquema.
Os lojistas disseram ter procurado uma empresa terceirizada como alternativa para evitar roubos e furtos na região por conta da presença de dependentes químicos no entorno dos estabelecimentos. Um comerciante da Santa Ifigênia afirmou que não houve cobrança de propina ou achaque por parte dos guardas.
“Nunca houve coação, nenhuma. Quem vinha cobrar ou avisar era uma pessoa à paisana, nada fardado. Na realidade, nós contratamos uma empresa particular. Quem se apresentava para a gente aqui era uma pessoa particular, nada de GCM”, afirmou.
Ele disse, ainda, que uma lista com ao menos 34 nomes de contratantes dos serviços foi criada pelos próprios comerciantes e que o pagamento era feito no CNPJ da empresa.
“É uma situação muito caótica em relação aos usuários e estavam fechando muitas lojas. Não tinha condições de trabalhar. Era muito assalto na porta, roubo de celular, roubo de tênis, funcionários sendo assaltados”, disse o lojista, sob condição de anonimato.
Como funcionava o esquema
Investigação da Corregedoria da GCM encontrou uma lista de pelo menos 34 lojistas que aceitaram o acordo e teriam data limite para pagar a taxa de proteção, dentre restaurantes, lotéricas, chaveiros, oficina mecânica e até consultório dentista. Segundo apuração, os agentes cobravam valores entre R$ 1,5 mil a R$ 5 mil pela segurança de cada prédio. As cobranças tiveram início em agosto de 2022.
Sob nome de “colaboradores de boa-fé que pagam a segurança”, havia uma planilha de controle dos pagamentos feitos e quem deveria ser cobrado. O esquema era feito por integrantes do Iope (Inspetoria de Operações Especiais), agrupamento destinado para operações de maior risco e destinados a atuar na Cracolândia.
Em setembro de 2022, um mês depois das cobranças, um dos guardas envolvidos na investigação e afastado das funções abriu uma empresa de segurança. A Law & Force Monitoramento LTDA tem o guarda Elisson de Assis como único sócio, conforme consta em inscrição na Junta Comercial de São Paulo (Jucesp). A empresa tem capital de R$ 10 mil.
Segundo o Portal de Transparência da Prefeitura de São Paulo, guardas civis metropolitanos de classe especial (categoria 4), a qual pertence o agente afastado, e atuam na região central da capital, recebem salários brutos que variam de R$ 4.007,25 até R$ 7.531,49.
GCM é proibido de comandar empresa de segurança privada
A lei municipal 13.530, de 2003, que institui o Regulamento Disciplinar dos Servidores do Quadro dos Profissionais da Guarda Civil Metropolitana, proíbe GCMs de participar da gerência, serem sócios ou donos de empresa privada de segurança. Os agentes podem fazer bicos nestas empresas, mas não podem participar da administração.
A secretária municipal de Segurança Urbana, Elza Paulina de Souza, disse que a Corregedoria investiga o caso e que no final do processo serão punidos se as provas indicarem condutas irregulares.
“Na finalização do processo, comprovada com provas, com todo o regramento, que esse servidor tem a sua responsabilidade, e ao que tudo indica ele o tem, apenas precisamos agora definir como ele será enquadrado para que ele possa ser apenado”, disse.
A pena para irregularidades cometidas por guardas durante o exercício da função vão desde advertências até uma eventual desoneração do serviço público – a depender da gravidade da infração.
Um guarda que não está ligado ao esquema afirmou que o caso era sabido pela tropa desde o início do ano e que há procedimento para apurar a conduta desde fevereiro. Ele relata que há o uso da estrutura da GCM para apoio à empresa privada de segurança comandada pelo guarda investigado.
“Esse guarda percebeu que daria para vender facilidade utilizando o bem público. Ele montou uma empresa de monitoramento para dar legalidade à sua atividade extra Guarda Civil, entretanto, ele utiliza o bem público para um caso de emergência”, detalhou o profissional, também sob condição de anonimato para evitar represálias.
Além da Corregedoria da GCM, o Ministério Público de São Paulo abriu investigação para apurar a denúncia. O caso será analisado pela Promotoria do Patrimônio Público do estado.
Foi apurado que não há investigações em curso dentro da Polícia Civil de São Paulo para apurar a atuação dos GCMs.
Criminalidade na Cracolândia
A região do Centro de São Paulo tem registrado aumento na criminalidade em 2023, com saques em farmácia e mercado, tentativas de invasão a comércios e roubo e furto de celulares realizados por dependentes químicos da Cracolândia.
Dados divulgados com exclusividade pelo Monitor da Violência, mostram que a cidade de São Paulo tem um registro de celular roubado ou furtado a cada 3 minutos. Foram mais de 200 mil ocorrências ao longo de 2022.
Os dados apontam que:
- Foram feitas 202 mil ocorrências de roubo e furto de celular na capital em 2022.
- Esse número representa uma alta de 12% em relação ao ano de 2021, quando foram feitas 179 mil ocorrências.
- Uma parte considerável dos casos acontece na região Central da cidade. Os distritos policiais dos Campos Elíseos e Sé lideram o ranking do maior número de registros, com 11,4 mil e 10,2 mil, respectivamente.
- A via da capital menos segura para os donos de celulares foi a Avenida Paulista, que teve 5,3 mil registros de roubo ou furto no ano.
- A Paulista, inclusive, tem quase o dobro de casos que a segunda colocada, a Avenida do Estado (2,9 mil).
- 3 a cada 10 casos acontecem no período da noite.
Embora altos, os números não refletem necessariamente o cenário real com precisão, já que muitas vítimas não registram boletim de ocorrência.
Além disso, os dados se referem a ocorrências de roubos e furtos, e não à quantidade de celulares roubados. Como é possível que mais de um celular tenha sido roubado ou furtado por ocorrência, o número de aparelhos é mais alto que o número de registros.
A Polícia Civil tem realizado operações na região da Cracolândia para apreender aparelhos e prender receptadores.