Professor encara 10h de trilha e cobras para dar aula e chora ao se acidentar: ‘pensei em desistir’

Pedro Santos, de 35 anos, disse que no momento da queda sentiu vontade de desistir do esforço que enfrenta ao percorrer 20 km a pé, incluindo ida e volta, até quilombo em Iporanga (SP).

Um vídeo de um professor chorando após dar aula em uma comunidade quilombola em Iporanga, no interior de São Paulo, causou comoção nas redes sociais. Nesta terça-feira (3), Pedro Santos, de 35 anos, explicou que teve vontade de desistir da profissão ao cair em um lamaçal. Ele e outros docentes levam cerca de 10 horas de caminhada em um trajeto de 20 quilômetros, em dias chuvosos, para ensinar o básico aos alunos locais.

Nas imagens obtidas, um colega de Pedro relata toda a situação enfrentada pelo grupo: “Essa é a situação de Bombas. O professor Pedro estava descendo na trilha aqui e acabou de tomar um tombo. Esse trajeto é uma dificuldade. ‘Tá’ vendo, gente? A gente pede obra, aquilo que a gente tem direito, nosso auxílio [porque] a gente passa por isso”. Nas imagens, Pedro, que estava chorando bastante, reclama: “Desgraça, cara”.

O professor de geografia contou que o acidente ocorreu quando ele e o outro professor retornavam de uma reposição de aulas no quilombo do bairro Bombas. “Nessa época chuvosa é bastante crítico, acabei escorregando, caindo e entortei o joelho”, lamenta.

Além da dor, Pedro disse que sentiu raiva e vontade de largar tudo. “Senti medo. Várias coisas, sabe? Vontade de desistir, mas ali é uma missão que a gente tem em ajudar aquelas crianças carentes, tem criança que está no 9° ano e tem dificuldade de formar o próprio nome”.

Acesso dificultado

Professor escorregou e caiu em lamaçal ao voltar de aula em escola quilombola em Iporanga, SP — Foto: Reprodução

Professor escorregou e caiu em lamaçal ao voltar de aula em escola quilombola em Iporanga, SP — Foto: Reprodução

Pedro afirma que o quilombo Bombas é um dos únicos do estado que não têm uma estrada. O acesso é feito por dentro do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar). “Existe uma briga muito grande da comunidade com o parque pela questão da estrada. Anos e anos lutando”.

O caminho enfrentado pelos professores até o quilombo é o mesmo usado pelos moradores do local que, segundo ele, não possuem acesso a saneamento básico e coleta de resíduos. “Quando precisam ir para Iporanga precisam ir juntos, não dá para andar sozinho, é um caminho ermo, dificultoso”.

Durante o trajeto é necessário, ainda, atravessar o rio. Quando chove, o nível da água sobe, o que atrapalha mais ainda a situação dos professores e de quem mora no local. “Já aconteceu de ficar preso lá, não conseguir voltar para casa e ter que dormir na escolinha”.

De acordo com Pedro, muitos professores não querem dar aula no local por causa da dificuldade em chegar até a escola. “É muito desgastante, arrebenta [o corpo]. (…) A gente enfrenta isso a pé, com risco de pisar em cobra e acontecer várias coisas com a gente”.

Ele disse que os professores que dão aula no quilombo não recebem o adicional de local de exercício (ALE), que é pago aos docentes e funcionários que trabalham em áreas consideradas de risco.

“Enfrentamos sol, chuva, calor na trilha, risco de cair em buraco, torcer o pé, a questão de animais peçonhentos, pois quando está muito calor tem cobra no caminho. Não é fácil. Os professores de escola rural recebem, só a comunidade Bombas que não”, reclama Pedro.

O professor contou que está com dor, tomando medicações, mas ainda não conseguiu ir para alguma cidade vizinha passar por ortopedista. “Não vai ser um tombo ou uma queda que não vai me deixar ir para lá. Na hora, a gente fala que vai largar, xinguei, mas a força e a missão pelas crianças é maior”.

Em contato com a Prefeitura de Iporanga, mas não obteve retorno até a última atualização dessa reportagem.

Secretaria de Educação

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) informou que a Diretoria de Ensino de Apiaí já iniciou processo de solicitação do Adicional de Local de Exercício aos professores que será analisado pela pasta assim que for encaminhado.

O docente do vídeo passa bem e segue cumprindo suas atividades normalmente. Nenhum aluno ficou sem a reposição das aulas necessárias em razão do incidente.

Fundação Florestal

Em nota, a Fundação Florestal disse que a trilha em direção à Comunidade Remanescente do Quilombo de Bombas passou recentemente por uma intervenção emergencial para garantir a viabilidade do tráfego. Foram recuperados cerca de 2 quilômetros do trecho, em que é possível o acesso com máquinas.

Além disso, a Instituição publicou um edital voltado para empresas interessadas na prestação de serviço de revestimento com pedra britada e compactação do solo do trecho, tornando viável o acesso por veículos automotores. As empresas poderão enviar propostas até o dia 5 de outubro.

Há, ainda, um projeto de construção de um acesso à Comunidade, que está em fase de licenciamento ambiental pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). Este é um projeto tecnicamente complexo por conta das características da região, incluindo transposição de rio, supressão de vegetação, corte de encosta e aterros, situações que podem gerar deslizamentos.

Os esforços do governo de São Paulo, da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), da Fundação Florestal e da Cetesb estão concentrados para que seja definida uma solução com menor impacto ambiental, mas com ganhos a longo prazo para a comunidade, como menor manutenção do acesso e estruturas e menor risco de erosões, que podem gerar impactos ambientais, interrupções do acesso e riscos à segurança das pessoas em trânsito.

Além disso, o Petar é uma Unidade de Conservação que possui um alto nível de preservação, abrigando espécies da Mata Atlântica típicas de matas primárias, quase sem intervenção humana, com árvores entre 25 e 30 metros de altura, além mais de 500 cavernas. Devido à sua importante matriz geológica, intervenções não-planejadas podem impactar toda a cadeia alimentar da região.

Professor foi filmado chorando após queda em lamaçal durante trajeto de 20 km, incluindo ida e volta, até escola quilombola — Foto: Reprodução

Professor foi filmado chorando após queda em lamaçal durante trajeto de 20 km, incluindo ida e volta, até escola quilombola — Foto: Reprodução

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