Mãe perde útero e filha sofre com sequelas após ficar 14 minutos sem respirar depois de parto a vácuo

Helena Vitória, de 6 meses, nasceu no Hospital dos Estivadores, em Santos (SP), e a mãe critica a condução do parto. O caso foi registrado no 4ºDP da cidade. A prefeitura vai apurar o ocorrido, e a unidade de saúde disse ter prestado toda assistência à família.

“Minha filha não pisca, minha filha não chora, minha filha não se mexe e respira por aparelhos”. O relato da artesã Denyse Ribeiro, de 26 anos, é carregado de dor, fé e sede por Justiça. Segundo ela, a condução do parto fez com que a bebê, hoje com 6 meses, ficasse sem respirar por 14 minutos, a deixando em estado vegetativo. Ela foi diagnosticada com encefalopatia hipóxico-isquêmica grave. O caso aconteceu no Hospital dos Estivadores, em Santos, no litoral de São Paulo (entenda abaixo).

“Para a Medicina, ela nunca vai se mexer, nunca vai respirar sozinha, vai ficar dependente de um aparelho. O que me move é minha fé em Deus. Eu tenho muita fé em Deus e para ele nada é impossível”, disse.

Helena Vitória nasceu em 6 de maio de 2023. Denyse explicou que a segunda filha foi muito desejada e planejada. Ela contou ter ido a todas as consultas de pré-natal em uma policlínica da cidade, e que não esperava esse desfecho.

Durante o parto, perdeu o útero, as trompas e os ovários, o que a impede de engravidar novamente. Ela responsabiliza a equipe médica do hospital. “Nunca tive nem infecção de urina, foi uma gravidez completamente saudável e desejada”.

Denyse contou ter dado entrada no Hospital dos Estivadores no dia 4 de maio e que, no dia seguinte, a equipe começou a induzir o parto normal. Ela afirma que não tinha dilatação, que a bolsa estava intacta e os médicos “forçaram” o procedimento por muito tempo.

À reportagem, ela afirmou ter “implorado” por uma cesariana [procedimento cirúrgico em que o bebê é retirado do útero, como a primeira filha nasceu]. A decisão da equipe médica, no entanto, foi submetê-la a um parto a vácuo — quando se utiliza um extrator com sucção para aderir à cabeça do bebê.

Ela alegou ter gritado pedindo pela cesárea, mas que o desejo não foi atendido. “Infelizmente, o desrespeito ao direito de uma gestante resultou na situação que hoje minha filha se encontra”.

A mãe contou que foi levada ao centro cirúrgico, onde os médicos começaram o parto a vácuo que, segundo ela, resultou em danos irreversíveis.

“Na primeira vez ela não saiu. Era o médico puxando no vácuo, eu fazendo força e uma outra médica empurrando a minha barriga. Na segunda vez, minha irmã relata que saiu sangue. Em vez de o médico parar e ir para uma cesárea, ele tentou pela terceira vez. O meu útero rompeu. Eu perdi o útero, eu perdi ovário, eu perdi as trompas”, contou.

Denyse grávida de Helena Vitória, que nasceu em Santos (SP) em maio deste ano. — Foto: Arquivo pessoal

Denyse grávida de Helena Vitória, que nasceu em Santos (SP) em maio deste ano. — Foto: Arquivo pessoal

Cesárea e minutos sem respirar

Após o rompimento do útero, os médicos realizaram a cesárea e a menina nasceu sem respirar, e assim ficou por aproximadamente 14 minutos, ao mesmo tempo em que recebia massagem cardíaca. De acordo com Denyse, a equipe conseguiu reanimar a bebê, mas as sequelas, de acordo com ela, são irreversíveis.

Denyse precisou ficar internada por seis dias devido às complicações. “Minha irmã viu a minha filha nascer morta e me viu perdendo muito sangue. Eu tive hemorragia, perdi muito sangue devido à ruptura uterina”, contou ela, que só viu Helena Vitória dois dias após o nascimento.

“E, depois que levaram minha filha para a UTI, porque eu não vi minha filha quando ela nasceu, o anestesista chegou em mim e falou: ‘algo deu errado. Você perdeu útero, ovários e trompas, a sua filha morreu e voltou e não tem expectativa’. Foi isso que eles falaram”.

Acompanhamento médico e cirurgias

Na Santa Casa de Santos, Helena Vitória passou por cirurgias de traqueostomia e gastrostomia, mas a bebê ainda não tem condições de retirar o equipamento. Denyse espera que em dezembro o procedimento seja realizado com sucesso e ela possa dar entrada a um pedido de home care.

Uma neurologista que avaliou a criança afirmou a Denyse que o cérebro dela “amoleceu” e encolheu. “Para a medicina, ela vai vegetar pelo resto da vida dela.

Encefalopatia hipóxico-isquêmica

O neurologista João Brainer afirmou que, normalmente, a encefalopatia hipóxico-isquêmica, ou hipóxico-perinatal, ocorre quando falta sangue e oxigênio no cérebro da criança. A condição pode surgir quando o bebê demora a nascer ou há alguma condição que o impede de respirar adequadamente.

“Infelizmente, é uma condição muito comum. A maioria evolui para um prognóstico ruim, mas alguns pacientes ficam somente com algum grau de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, como dificuldade de raciocínio, de andar, para fazer movimentos”, explicou.

Segundo o médico, clinicamente falando, as crianças que nascem com a síndrome [quando genético] podem ter condições neurológicas que passam despercebidas antes do parto. Apesar disso, a maioria dos casos decorre de complicações na hora do nascimento. Muitas crianças podem chegar à fase adulta.

Caso de polícia

Denyse contou ter registrado um boletim de ocorrência no 4º DP de Santos. Ela constituiu dois advogados que atuam nas esferas criminal e cível. De acordo com Douglas Blum Lima, que representa a mulher na esfera criminal, as guias do IML para mãe e filha já foram expedidas. Em breve, ela fará os exames, que serão encaminhados à delegacia para instruir o inquérito policial.

Com a materialidade, todos os envolvidos serão ouvidos. Terminada essa fase, na qual a Polícia Civil vai apurar se há os elementos necessários, poderá ser feita a denúncia junto ao Ministério Público.

Em contato com a reportagem, o advogado Lucas Pórpora, que representa Denyse na esfera cível, explicou que houve a contratação de um profissional da saúde para analisar as documentações médicas referentes ao caso. A mãe poderá solicitar na Justiça indenização pelos danos causados, incluindo morais e estéticos.

Hospital

Em nota, o Instituto Social Oswaldo Cruz, que administra o Hospital dos Estivadores, informou que a família segue acolhida com os recursos hospitalares disponíveis para os cuidados à bebê. De acordo com o texto o atendimento da equipe “seguiu as melhores práticas assistenciais e de segurança do paciente e medicina baseada em evidência”.

O hospital afirmou que as cesáreas feitas no local seguem as indicações técnicas médicas, que consideram o risco do procedimento e as patologias envolvidas em cada caso, ou as indicações em respeito às regulamentações pertinentes.

A Secretaria de Saúde de Santos, por meio da Seção de Contratos de Gestão, disse que realizará a apuração dos fatos junto ao hospital e acompanhará o caso.

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