TJ decide que policiais militares não são obrigados a usar câmeras em operações após ataques

Em setembro, uma liminar de primeira instância determinou que o uso da câmera em operações, como a Escudo, deveria ser obrigatório.

O órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu nesta quarta-feira (13) que policiais militares não são obrigados a usar câmeras corporais em operações que tenham o objetivo de responder a ataques sofridos por agentes das forças de segurança do estado, como no caso da Operação Escudo, na Baixada Santista.

A decisão desta quarta mantém suspensão de liminar que tornava obrigatório o uso das câmeras.

A decisão do presidente do TJ, desembargador Ricardo Anafe, foi seguida pelos outros 24 desembargadores. Em setembro, uma liminar de primeira instância determinou que o uso da câmera nessas operações deveria ser obrigatório. Horas depois, o presidente do Tribunal de Justiça derrubou a decisão por entender que o aumento de gastos com as câmeras interferia diretamente no planejamento orçamentário do governo e na definição das políticas de segurança pública.

Liminar determinando o uso de câmeras

Na decisão liminar, cassada em setembro, e completamente derrubada agora, o juiz Renato Augusto Pereira Maia, da 11ª Vara da Fazenda Pública da capital, determinou que 100% dos policiais militar envolvidos nas ações da Baixada Santista passassem a ter o aparelho acoplado ao uniforme.

Na liminar, o juiz fez, ainda, três determinações principais à Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo (SSP):

  • Que o Estado seja obrigado a instituir mecanismos para assegurar o correto uso das câmeras corporais por parte das forças policiais;
  • Que a SSP desloque contingente de policiamento com câmeras, impedindo que policiais que estejam sem câmeras atuem na operação, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal daqueles que atuarem sem câmeras, ou câmeras desligadas, devendo o Estado enviar ao Ministério Público, órgão correcional da polícia, informação daqueles que descumprirem à ordem;
  • E que o Estado estabeleça parâmetros para que ações no entorno de escolas e creches sejam excepcionalíssimas, respeitados os horários de entrada e saída dos estabelecimentos, devendo haver justificação prévia; a vedação da utilização destes espaços como base operacional, incluindo a calçada do entorno.

A Operação Escudo foi deflagrada pela SSP em 28 de julho, um dia após a morte do soldado das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Patrick Bastos, no Guarujá. Ela terminou no início de setembro com um saldo de ao menos 28 mortes.

Pedido da Defensoria Pública de SP

No início de setembro, a Defensoria Pública de São Paulo e a ONG Conectas Direitos Humanos entraram com uma ação civil pública , com pedido de tutela antecipada, para que a Justiça obrigue o governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais militares e civis que atuam na Operação Escudo, na Baixada Santista.

O pedido foi reiterado pelos promotores do Ministério Público de São Paulo, ao serem acionados à se posicionar no processo pela Justiça.

“Ações ostensivas, abordagens policiais, cumprimentos de mandados judiciais, ordens de prisão em flagrante, outras medidas que impactem a liberdade ou a integridade física, mental ou patrimonial de indivíduos ou coletividade sejam capturadas, armazenadas, atendendo a todos requisitos de cadeia de custódia, e passem por controle pelas autoridades competentes”, disse o pedido feito à Justiça.

Na ação, a Defensoria Pública alegou que no dia 30 de julho já foi acionada pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo para acompanhar a operação, já que, na época, havia sete ocorrências de morte em decorrência de intervenção policial com, no mínimo, nove vítimas fatais.

Desde então, ofícios foram enviados à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo pedindo esclarecimentos, afirmou a Defensoria. Ao todo, foram cinco documentos encaminhados. Veja abaixo o resumo:

  • 31/07: ofício referente à solicitação de esclarecimentos sobre a Operação Escudo.
  • 02/08: ofício encaminhado em complementação, no qual solicitou que sejam utilizadas câmeras corporais no uniforme de todos os policiais militares e civis envolvidos na Operação Escudo para que as abordagens sejam capturadas e passem por controle pelas autoridades competentes;
  • 04/08: ofício referente à solicitação de informações sobre as investigações das mortes decorrentes da Operação Escudo;
  • 08/08: ofício referente à manifestação de policiais militares nas redes sociais em relação à Operação Escudo;
  • 18/08: reiteração dos ofícios enviados dia 31 de julho e 4 de agosto.

Contudo, a Defensoria Pública afirma que mesmo com respostas em parte dos ofícios, não foi oficialmente informada sobre quantos e quais agentes da Operação Escudo estão ou deveriam estar utilizando câmeras nos uniformes.

Além disso, não teve acesso aos inquéritos para a apuração das mortes decorrentes de intervenção policial e, como consequência, não teve acesso aos laudos e demais evidências produzidas neste âmbito.

“A solicitação de compartilhamento das imagens das câmeras corporais utilizadas pelos policiais nelas envolvidos não foi respondida pela SSP até o presente momento”, alegou o órgão, na ação civil.

Relatos de violações dos direitos humanos

O Fantástico teve acesso aos laudos da Operação Escudo e investiga por que jovens que viviam em São Paulo apareceram mortos no Guarujá.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reuniu ao menos 11 relatos de violações dos direitos humanos durante a Operação Escudo.

Com isso, o órgão recomendou ao governo de São Paulo, sob a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que se encerre a operação e apresente, em até 20 dias, esclarecimentos sobre as circunstâncias das mortes em decorrência da intervenção policial.

“A primeira recomendação é a interrupção imediata da Operação Escudo. Já são mais de 30 dias, mortos, resultados que não demostram eficiência na própria operação. Precisamos que parentes das vítimas recebam tratamento psicológico. Vimos aqui situação de ansiedade, depressão de algumas pessoas que estão, inclusive, sendo atingidas indiretamente pela operação. Pessoas absolutamente inocentes, crianças em suas creches, mães que vão deixar suas crianças nas suas creches ou que não podem deixar em razão da operação”, disse André Leão, presidente do CNDH.

Veja as recomendações do CNDH ao governo de São Paulo:

  • Interromper imediatamente a Operação Escudo, considerando o decurso de mais de 30 dias da operação, a intolerável taxa de letalidade e os relatos de violações de direitos humanos;
  • Apresentar, em até 20 dias, plano de ação da Operação Escudo, com esclarecimentos sobre as circunstâncias das mortes de civis em decorrência da intervenção policial;
  • Apresentar, em até 20 dias, relatório detalhado de cada dia da Operação Escudo, contendo informações sobre objetivos, horários, comandantes, batalhões e CIA, armamentos utilizados, vítimas, detidos e outras informações relevantes
  • Fornecer, no prazo máximo de 20 dias, a cadeia de custódia das câmeras de todos os policiais envolvidos na operação, abrangendo o dispositivo físico, informações coletadas, armazenamento, arquivamento, downloads e qualquer outra informação relevante para o resguardo das filmagens.
  • Fornecer, no prazo máximo de 20 dias, explicações sobre a não utilização de câmeras corporais por policiais alocados em batalhões que compõem o Programa Olho Vivo.
  • Investigar, em regime de urgência, os crimes de ameaça praticados contra o Ouvidor da Polícia do estado de São Paulo, fornecendo, no prazo de 15 dias, informações sobre o resultado desses inquéritos;
  • Garantir medidas de segurança, com escolta 24horas por dia, e condições de trabalho adequadas ao Ouvidor das Polícias para que ele possa continuar a conduzir seu trabalho de maneira eficaz e segura;
  • Cumprir o disposto no art. 2º, VI, da Lei Complementar do estado de São Paulo nº 836/97, garantindo o fornecimento imediato das informações requisitadas pelo Ouvidor da Polícia do estado de São Paulo, especialmente as imagens das câmeras corporais usadas por policiais;
  • Realizar a investigação das mortes em decorrência de intervenção policial de maneira transparente e independente, com a participação de órgãos externos, familiares das vítimas e entidades de direitos humanos, a fim de assegurar imparcialidade e eficácia nas apurações, seguindo padrões internacionais como o Protocolo de Minnesota, apoiando também as investigações do Ministério Público;
  • Assegurar a autonomia da perícia técnico-científica para atuar de maneira imparcial em todos os casos de denúncias de violações de direitos humanos apresentados como decorrência da Operação Escudo;
  • Garantir proteção e amparo socioassistencial do Estado às testemunhas e familiares das vítimas, assegurando sua segurança contra represálias ou ameaças e facilitando seu acesso ao devido processo legal
  • Garantir o uso obrigatório de câmeras corporais por todos os agentes envolvidos em outras operações policiais, particularmente nos Batalhões de Ações Especiais da Polícia (BAEP), assegurando o registro de suas condutas;
  • Assegurar, nos casos de operações policiais que resultem em violação à integridade física de civis, acesso imediato às imagens ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à Ouvidoria das Polícias e aos demais órgãos de controle;
  • Apresentar, em 20 dias, protocolo detalhado para o uso de equipamentos especiais em operações policiais em áreas sensíveis, com ênfase na segurança das/os cidadãs(ãos);
  • Apresentar, em 20 dias, protocolos de segurança para evitar operações em áreas sensíveis como escolas e instituições de saúde, preservando o bem-estar da comunidade;
  • Garantir a presença obrigatória de socorristas e ambulâncias nas operações, para atender a eventualidades e prestar socorro adequado às vítimas;
  • Apresentar, em até 20 dias, plano de medidas específicas para proteger grupos vulneráveis, evitando a vitimização desproporcional de crianças, adolescentes, pessoas negras e minorias;
  • Garantir reparação integral às famílias das vítimas, incluindo restituição, indenização, reabilitação e medidas de não repetição;
  • Reconhecer as violações de direitos humanos ocorridas durante a chacina e emitir, em até 20 dias, um pedido público de desculpas às vítimas e a seus familiares

Laudos e balanço

Laudos do Instituto Médico Legal (IML) de 15 dos 24 mortos Baixada Santista nos 30 dias de Operação Escudo, apontam que 46 tiros acertaram e mataram homens que eram considerados suspeitos pela polícia e teriam entrado em confronto com as equipes, segundo a versão da Polícia Militar.

Um deles é o de Felipe Vieira Nunes, que levou sete tiros disparados por agentes da Rota no Guarujá. A ação não foi registrada porque câmera estava sem bateria.

600 homens e mulheres, de diferentes batalhões do estado de São Paulo, se revezam 24 horas por dia no policiamento das ruas da baixada. O efetivo extra faz parte da operação que começou depois do assassinato do soldado da Rota Patrick Bastos Reis, durante patrulhamento na comunidade Vila Júlia, no Guarujá, no dia 27 de julho.

Mesmo depois da prisão de três suspeitos pela morte do soldado, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que a operação continuaria.

Um balanço divulgado no dia 28 de agosto pela Secretaria da Segurança mostra que, até o momento, 665 foram presas, das quais 253 eram procuradas pela Justiça. Foram apreendidas 85 armas e 906 quilos de drogas.

Desde que a operação começou, três policiais foram baleados em confrontos na Baixada.

Governo de SP nega que tenha havido excesso da polícia na operação que deixou 8 mortos em Guarujá — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Governo de SP nega que tenha havido excesso da polícia na operação que deixou 8 mortos em Guarujá — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

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