Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) expediu um alvará de soltura para Clayton dos Santos, preso após uma idosa reconhecê-lo por foto como sendo o homem que a assaltou em 2023.
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Clayton Ferreira Gomes dos Santos, o professor negro que foi preso acusado de sequestrar e roubar uma idosa, pode processar o Estado de São Paulo, segundo o advogado dele. Nesta quinta-feira (18), o representante ressaltou que a detenção representa um “impacto negativo muito grande” na vida do cliente. O defensor disse ainda que, passada a investigação da Polícia Civil, vai analisar o caso para avaliar como proceder.
A Polícia Civil da capital paulista prendeu Clayton na última terça-feira (16) sob a acusação de sequestrar e roubar uma idosa em Iguape (SP), por volta das 9h de 31 de outubro de 2023. Em contrapartida, a Escola Estadual Deputado Rubens do Amaral, na Zona Sul de São Paulo, declarou que o homem dava aulas de educação física no mesmo dia e horário em que ocorreram os crimes.
A Justiça de São Paulo atendeu, na quarta-feira (17), o pedido da defesa de Clayton, concedendo um habeas corpus para libertá-lo. Na decisão, o desembargador Roberto Porto, da 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), considerou que os indícios da autoria do crime foram “enfraquecidos” a partir da hipótese de que ele estava trabalhando (leia mais abaixo).
O advogado Danilo Reis, que representa Clayton no caso, afirmou que, futuramente, pode considerar a possibilidade de processar o estado e pedir uma indenização pelo tempo em que o homem ficou detido.
“O primeiro passo é colocá-lo em liberdade. Agora, temos que ter acesso ao inquérito policial por completo para, depois da conclusão dele, verificar uma ação cível em desfavor de quem for de direito”, disse Reis.
Sentimento
O advogado acrescentou que, em contato com Clayton e familiares mais próximos do professor, sentiu a expectativa alta pela liberação dele, embora os danos permaneçam.
“Todo mundo está feliz e ansioso para vê-lo fora de lá o quanto antes, mas é um impacto negativo muito grande porque é uma situação da qual ninguém espera, principalmente quando não dá motivos para o feito”, complementou ele.
Habeas Corpus
O desembargador Roberto Porto, da 4ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, decidiu pelo habeas corpus a Clayton a partir da declaração da escola e do conhecimento sobre o método usado para identificar o autor do assalto em Iguape: reconhecimento fotográfico.
“O Juízo de primeira instância mencionou a necessidade da prisão temporária com a finalidade de facilitar a investigação de crime grave (roubo). Todavia, enfraquecidos indícios de autoria pela hipótese plausível de o paciente estar trabalhando no momento do crime, tenho que a custódia caracteriza constrangimento ilegal sanável a adoção de medida de urgência”, escreveu o desembargador.
Com isso, o magistrado concedeu a liminar pretendida e determinou a expedição de alvará de soltura de Clayton. O juiz ainda criticou a polícia por ter pedido à Justiça a prisão temporária do professor baseando-se apenas no reconhecimento fotográfico dele.
“Muito embora seja cediço que tal elemento indiciário é admitido como lícito e, por vezes, constitui ferramenta útil ao trabalho policial inicial, as pertinentes alegações trazidas pelos impetrantes têm o condão de infirmá-lo.”
Entenda o caso
A vítima do sequestro e roubo em Iguape é uma aposentada de 73 anos que havia reconhecido Clayton na polícia da cidade litorânea, por fotografia, como uma das três pessoas que roubaram R$ 11 mil dela em 31 de outubro de 2023 na Avenida Adhemar de Barros, no Centro.
Mas, de acordo com a Escola Estadual Deputado Rubens do Amaral, na Zona Sul de São Paulo, Clayton estava dando aulas de educação física no mesmo horário e dia em que ocorreram os crimes. A escola fica na Rua Filipe Cardoso, no Jardim da Saúde.
Além do diretor da escola, a defesa e a família dele também alegam que o educador é inocente e que sua prisão é ilegal (saiba mais abaixo).
Clayton, que tem 40 anos, não dá mais aulas nessa escola, na capital, que fica 200 quilômetros distante do local no litoral onde a idosa contou ter sido abordada por um homem e duas mulheres que estavam num Chevrolet Celta preto. O motorista era um homem negro, de acordo com a vítima. Ela se identificou como sendo parda.
Segundo a aposentada, os sequestradores obrigaram-na a entrar no veículo. Depois a levaram até uma agência bancária, onde mandaram fazer dois saques, nos valores de R$ 5 mil e R$ 6 mil.
Em seguida, os bandidos, de acordo com a idosa, disseram para depositar o dinheiro na conta de uma das mulheres da quadrilha. Mais tarde, o grupo roubou seus cartões de banco e a abandonou em uma rodovia.
Professor trabalhava na hora do crime
![Documento enviado pela escola para advogado de professor mostra que ele deu aulas na capital na hora em que foi acusado de sequestrar e roubar idosa no interior — Foto: Reprodução](https://s2-g1.glbimg.com/BaIP9mJcdxTlHmg_-SA5spTxfOc=/0x0:909x1064/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2024/i/B/vfJ0uCTxO2YBb1uIcayQ/comunicado-escola-foto.gif)
Documento enviado pela escola para advogado de professor mostra que ele deu aulas na capital na hora em que foi acusado de sequestrar e roubar idosa no interior — Foto: Reprodução
Segundo o diretor de escola Vilson Sganzerla, Clayton trabalhou no dia 31 de outubro de 2023 no horário em que ocorreram os crimes.
“Ele trabalhou na escola. Eu fiz a declaração. O que afirmei [é] que [Clayton] trabalhou num determinado tempo na escola. Parece, sim, existir um equívoco [na prisão dele]”, falou Vilson nesta quarta ao g1.
O diretor encaminhou para a defesa de Clayton uma cópia da ficha de ponto do professor na data em que ele foi acusado de ter cometido sequestro e roubo em Iguape.
Advogado cita preconceito
![Clayton dos Santos dá aulas como educador físico em escolas estaduais de São Paulo — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal](https://s2-g1.glbimg.com/0gMqulYSokc2W7Bi5uSidfht0js=/0x0:567x536/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2024/e/M/5VxGjjTK2JBEaqqLTdGA/professor-clayton-e-alunos-foto.jpg)
Clayton dos Santos dá aulas como educador físico em escolas estaduais de São Paulo — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Clayton é professor atualmente da Escola Estadual Maria José, na Bela Vista, Centro de São Paulo. Segundo seu advogado, Danilo Reis, o cliente e uma das mulheres foram reconhecidos pela vítima por fotografias apresentadas a ela pela polícia de Iguape.
“Eu acredito que é mais um caso vinculado a preconceito racial e a falha do inquérito policial, que se limita a esse tipo de reconhecimento fotográfico, que é precário”, disse Danilo, na quarta-feira (17) ao g1.
O advogado não sabe como a foto de Clayton foi parar no banco de imagens mostradas pela polícia à vítima. “Ele nunca teve passagens criminais anteriores”, afirmou Danilo.
O advogado suspeita até da possibilidade de que alguém ainda não identificado possa ter usado a foto e documentos de seu cliente de maneira criminosa para prejudicá-lo.
“Existe a possibilidade de o documento do professor ter sido extraviado, mas de todo modo seria leviano a polícia pedir a prisão dele à Justiça somente pelo reconhecimento fotográfico.”
A pedido da polícia de Iguape, e com a concordância do Ministério Público (MP) da cidade, a Justiça local decretou a prisão temporária de Clayton em 17 de novembro de 2023.
Danilo não soube informar se a outra mulher identificada pela vítima por foto foi presa também. “Só posso dizer que Clayton não conhece essa outra suspeita, nunca a viu. Ele sequer esteve em Iguape antes. Foi acusado pela polícia de dirigir o carro usado nos crimes, mas ele não tem nem carteira de habilitação. Não sabe dirigir e só usa transporte público.”
“Nunca praticou qualquer ato ilícito e principalmente por fisicamente ser impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo, agravando-se ainda mais por tratar-se de comarcas distintas e de distâncias consideráveis”, informa o pedido da defesa de Clayton no habeas corpus.
Policiais prenderam professor em delegacia
![Clayton é casado com Claudia: 'Eu tô arrasada porque estou sem saber o que fazer', diz esposa de professor preso — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal](https://s2-g1.glbimg.com/FeRPrRKulICq5kxgL0QlSrTF68Y=/0x0:647x552/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2024/8/S/3OlBrhR4KaNQo6OdFeGg/clayton-e-claudia.jpg)
Clayton é casado com Claudia: ‘Eu tô arrasada porque estou sem saber o que fazer’, diz esposa de professor preso — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Segundo Claudia Gomes, esposa de Clayton, ele foi preso após atender um pedido da polícia para comparecer ao 26º Distrito Policial (DP), Sacomã, na Zona Sul.
A mulher contou que seu marido recebeu uma carta na portaria do prédio em que moram, na capital, para ir à delegacia esclarecer informações que ele dera num boletim de ocorrência eletrônico que fez do furto de seu celular. Clayton não conseguiu reaver o aparelho furtado.
“Mas ele chegou lá sozinho e soube que os policiais disseram que havia um mandado de prisão temporária em aberto contra ele para ser cumprido por determinação da Justiça. Então o prenderam”, disse Claudia. “Eu estou arrasada porque estou sem saber o que fazer.”
“Como que pode um inocente ter que provar que ele é inocente? Só no nosso país acontece isso de um inocente ter de provar que é inocente. A pessoa fica apavorada, sem saber de nada”, falou a esposa do professor.
O que diz a SSP-SP
![Professor Clayton Ferreira dos Santos foi preso pela polícia acusado de sequestro e roubo, mas estava trabalhando em escola quando ocorreu o crime — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal](https://s2-g1.glbimg.com/G4wLR-4YRAhRU6CTCrw1NcYBzmY=/0x286:720x1363/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2024/O/E/1OZv7cS2eabMwDEpwPbg/whatsapp-image-2024-04-17-at-08.58.19-4-.jpeg)
Professor Clayton Ferreira dos Santos foi preso pela polícia acusado de sequestro e roubo, mas estava trabalhando em escola quando ocorreu o crime — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) respondeu que a prisão de Clayton seguiu o que a investigação policial apurou e teve a concordância do MP e da Justiça.
Mas informou que qualquer irregularidade da delegacia tem de ser comunicada pelas partes à Corregedoria da Polícia Civil:
“O caso é investigado pela Delegacia de Iguape, que identificou, após trabalho de polícia judiciária, o homem citado como suspeito de um roubo em Iguape, em 31 de outubro de 2023, quando uma mulher de 73 anos teve o valor de R$ 11 mil subtraído. A vítima reconheceu o suspeito e uma mulher como autores do crime.
A autoridade policial da delegacia de Iguapé reuniu o conjunto probatório e representou ao Judiciário pela prisão temporária dos investigados. O MP manifestou parecer favorável ao pedido, que foi concedido pelo juiz. O homem foi preso na manhã da terça-feira (16) após mandado policial, na zona sul da Capital e permaneceu à disposição da Justiça. Qualquer denúncia de irregularidade pode ser notificada à Corregedoria da Polícia Civil.”