“Clássico das Hq’s da América Latina, é possivelmente o lançamento do ano em terrabrasilis!”
O Brasil passa por um boom de lançamentos de quadrinhos de qualidade, isso porque muitos fãs da nona arte hoje capitaneiam editoras e trazem para as mesmas seus sonhos de publicação em nosso País, acima de interesses meramente comerciais. E isso é curioso tendo em vista que em contrapartida a esse volume de lançamentos, nosso país passa por um de seus piores momentos segundo pesquisas quando o assunto é ler, o Brasil está lendo cada vez menos.
O mercado, sim o mercado, como uma entidade viva do capital que precisa encontrar caminhos para o consumo, parece ter entendido que vender para os chamados 35+ edições de luxo, que ficam bonitas em estantes, a preços nem tanto populares, focando na classe média para a frente, talvez seja um bom negócio. Se impossibilita a criação de uma nova geração de leitores, por outro lado resolve o problema por ora, vendendo para um nicho bem especifico.
Uma das editoras pioneiras nesse formato é a editora Pipoca e Nanquim, dirigida por fãs de quadrinhos que mantinham um canal no Youtube e tinham alguma experiência editando para diversas empresas do ramo. Lançaram edições de luxo de coisas até então impensáveis como Bluberry, Druuna entre outros, viraram referência de qualidade editorial e curadoria.
Contextualizando tudo isso chegamos até o que move este texto, um dos maiores e melhores lançamentos do ano de 2024: O Eternauta, escrito pelo argentino Héctor Germán Oesterheald e com arte de Francisco Solano López, a obra é objeto de culto há muitos anos para os fãs de quadrinhos da América Latina e porque não dizer do mundo.
Alguns entusiastas chegaram a comparar com Watchmen, o que obviamente soa até meio ridículo, porque as propostas são totalmente diferentes, assim como o perfil de público que ambas buscam. Watchmen, com toda sua revolução para a indústria ainda fala sobre a mesma, ora criticamente, ora reflexivamente, mas ainda assim estamos falando de super seres. Já O Eternauta fala sobre pessoas, comportamento de grupo, sociologia e sua principal matéria prima é o homem comum, coisas completamente distintas.
O AUTOR
Héctor Germán Osterheald por si só seria um personagem digno de suas próprias histórias. Filho de alemães e nascido na argentina, o autor publica diversos romances entre os anos 50 e 60. Suas obras tinham um forte teor político e obviamente crítico, chegou a escrever uma biografia de Che Guevara em 1968, censurada e destruída, não podemos nos esquecer que na época, os nossos Hermanos passavam por uma ditadura militar.
Osterheald começa a militar politicamente cada vez mais e se junta ao Montoneros, grupo de esquerda revolucionário, que pegou em armas e foi para a rua enfrentar a ditadura, tinha como principal ideal estabelecer uma sociedade muito próxima do socialismo. O escritor ainda produz um remake de O Eternauta com outro desenhista, dessa vez pesando a mão ainda mais no aspecto político de sua obra e volta a o universo de Eternauta no que ele intitula como O Eternauta 2, com desenhos novamente de Francisco Solano López.
O mundo perde o gênio de Héctor Germán Oesterheald em 1977, quando no rescaldo do fim da ditadura argentina, ele é pego pelas forças armadas e simplesmente desaparece, sem nunca terem encontrado o corpo.
A OBRA PRIMA
Com tantas coisas publicadas e uma história pessoal forte, que se confunde com suas obras, não é absurdo dizer que sua principal criação é realmente O Eternauta. E o mais impressionante, relendo agora em uma edição de luxo, com um projeto gráfico de dar inveja, a extrema qualidade do texto, ritmo alucinante, arte que ainda impacta, é como a HQ soa atual mesmo após tantos anos de criação.
A trama tem inicio quando um escritor de quadrinhos vê se materializar em sua frente um homem chamado Juan Salvo, ele veio do futuro e começa a contar uma história do que está por vir, que envolve uma invasão à terra e acontecimentos fantásticos demais até mesmo para um autor de hq’s, que obviamente na obra representa um alter ego de Oesterheald.
Embora digam que apenas no remake temos aspecto políticos mais cristalizados, é claro a cada página apreciada aqui, que a política é o fantasma que está sempre por perto. Temos a força militar tentando se organizar, um opressor que demoramos um bocado para entender quem é e suas reais intenções, o ser humano muitas vezes sendo manipulado, a questão bélica, o colonialismo, se buscarmos cada nuance, este artigo extrapola o limite permitido.
O texto é muitas vezes poético e cada frase pensada e colocada onde deveria estar, nada é gratuito, nem mesmo as reflexões. Muitas vezes nos pegamos pensando: como agiríamos?
Em meio ao clima de urgência que vai se impondo, temos espaço para a construção de personagens carismáticos e o caminho percorrido no futuro por Juan Salvo, até se tornar O Eternauta. Mas afinal, o que seria um Eternauta?
Você precisa ler para ter as devidas respostas, mas a edição da Pipoca e Nanquim é digna de nota, pelo projeto gráfico, respeito ao material original e por trazer de volta às estantes um dos melhores quadrinhos de todos os tempos, pau a pau com Maus e outras grandes obras.
O Eternauta é uma obra atemporal, daquelas que podemos dizer que é uma unanimidade: simplesmente perfeita e irretocável.
Nota 10 de 10.