Ginecologista é condenado a pagar R$ 25 mil a paciente por abuso sexual

Sentença saiu no final de outubro de 2023, dois anos após a denúncia. A defesa do médico nega que ele tenha cometido o crime e informou que vai recorrer da decisão.

Um médico ginecologista, de 56 anos, de Santos, no litoral de São Paulo, foi condenado a indenizar em R$ 25 mil uma paciente que o denunciou por abuso sexual durante um exame em outubro de 2021. A defesa do réu informou, nesta quarta-feira (8), que vai recorrer da decisão.

A indenização por danos morais à vítima, uma psicóloga de 40 anos, foi definida em sentença da juíza Lívia Maria de Oliveira Costa, da 5ª Vara Cível do Foro da Comarca de Santos. Embora a defesa da mulher tenha requerido também danos materiais, a magistrada não acatou o pedido.

Com base na sentença de 25 de outubro, a vítima era paciente do médico Marcelo Moura Guedes há 12 anos. A paciente foi ao consultório entregar o resultado de exames de rotina. Na ocasião, o ginecologista teria tocado nas partes íntimas dela e praticado sexo oral sem consentimento. Ela só teria conseguido ir embora após algum tempo tentando se desvencilhar do médico.

Testosterona e exame ‘fora de hora’

A vítima contou que sofria com problemas intestinais quando resolveu procurar o réu. Como o considerava um médico de confiança, o deixou a par da situação e recebeu uma receita com a medicação Deposteron – para repor a testosterona.

À época, o ginecologista a informou que o hormônio causaria mudanças na libido [desejo sexual], mas ajudaria no fortalecimento dos músculos da região pélvica.

Em meio ao tratamento, a menstruação atrasou, o que a vítima logo associou à testosterona. Ela foi ao consultório em setembro de 2021e relatou o imprevisto, após passar por uma médica proctologista.

No mês seguinte, com os exames de sangue prontos, retornou para mostrar os resultados. “Eu estava na academia e fui direto para o consultório. Estava toda suja, faço crossfit. Cheguei lá, ficamos conversando um pouquinho, falei que eu precisava do atestado e estava bastante cansada. Aí ele falou que iria me examinar”, lembrou.

Vítima de ginecologista, que atende em Santos, ficou com medo de contato social após o ocorrido — Foto: Arquivo pessoal

Vítima de ginecologista, que atende em Santos, ficou com medo de contato social após o ocorrido — Foto: Arquivo pessoal

A mulher contou ter questionado se o exame era necessário, e ouviu do ginecologista ser um procedimento de “praxe”. Apesar de achar a situação estranha, vestiu o avental e se preparou.

Ela relatou à Justiça ter começado a sentir toques diferentes e que o ginecologista chegou a aplicar lubrificante e manipular a parte íntima dela. Pouco depois, relatou ter sentido a boca do médico.

A mulher contou ainda que médico passava as mãos pelo corpo dela e chegou a colocar a boca nos seios. Foi então em que ela “despertou” e viu que precisava fugir de alguma forma para evitar o pior.

‘Implorei para ir embora’

“No momento em que eu entendi o que estava acontecendo e senti a barba dele roçando em mim, eu travei. Não consegui reagir, fiquei estática, é como se eu estivesse assistindo aquilo tudo. É como se eu não estivesse ali”, relatou ela, que disse ter notado o médico sem camisa e com a calça aberta.

Ela informou ter tentado se levantar apesar do estado de choque, mas que o ginecologista a segurou. “A única proteção que nós tínhamos era a máscara. Ele tirou a minha e tentou me beijar. Eu coloquei a máscara de volta e falei: ‘por favor, me deixa ir embora’. Aí ele saiu da sala. Eu tremia de uma maneira […]. Coloquei a roupa e saí. Naquela hora, ele pegou na minha mão e pediu desculpas”.

Na ocasião, Marcelo teria afirmado que a mulher não precisava mais pagar pelas consultas e que daria “todos os atestados” que ela quisesse. Ainda perguntou se ela voltaria. Quando saiu do consultório, viu que o ambiente estava vazio. A secretária também não estava lá.

Abalo psicológico e financeiro

Parte da renda da vítima vem de consultas particulares em Santos, como ela ficou afastada por aproximadamente 90 dias das atividades. Além dos danos morais, as advogadas Carol Valentino e Laura Gonçalves Cardoso pediram uma indenização por danos materiais, mas esta foi julgada improcedente.

“Quem me conhece sabe que realmente aconteceu. Eu fiquei afastada durante três meses, eu tive que largar minha sala do consultório, tive que abandonar todos os pacientes que eu tinha. Eram 10 anos naquela sala, eu tinha 40 pacientes, tive que encerrar um por um porque não tinha condições de trabalhar”.

Após processar o ocorrido por uma semana, ela registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos. A vítima contou ter ficado bastante tempo sem sair ou ver pessoas. “Hoje eu consigo ver que ele usou do poder dele, de médico, para fazer o que ele queria comigo sem a minha autorização. Em nenhum momento ele perguntou se eu queria, se eu gostava”.

Carol Valentino (à esquerda) e Laura Cardoso, advogadas da mulher que denunciou o ginecologista por abuso sexual — Foto: Arquivo pessoal

Carol Valentino (à esquerda) e Laura Cardoso, advogadas da mulher que denunciou o ginecologista por abuso sexual — Foto: Arquivo pessoal

Carol Valentino explicou que a cliente conheceu duas mulheres que seriam pacientes de Marcelo e também teriam sido violentadas por ele em algum nível. “Elas relataram exatamente o que aconteceu com ela [vítima cliente]. O modus operandi foi muito parecido”.

Segundo Carol, porém, uma das mulheres se negou a falar com a polícia e a outra disse não ter sido abusada. “É bem comum, muitas mulheres não querem se envolver nisso, muitas pessoas têm pavor de pensar em ir em uma delegacia, tribunal, fórum”.

A acusação anexou ao processo alguns prints da vítima com outras mulheres. Carol afirma que as imagens passaram por um programa que atesta a veracidade dos arquivos.

Posicionamento

Conforme o processo, o ginecologista disse ter ficado surpreso com a intimação para prestar depoimento na delegacia. Marcelo negou os abusos e afirma que a vítima mostrou fotos de biquíni para ele no dia dos fatos.

O médico relatou ter pedido exames em setembro de 2021, mas não examinou a paciente clinicamente. Já no retorno, no dia 18 de outubro, ela levou os resultados e ele realizou o exame físico devido a uma “queixa abdominal” – que, segundo o próprio, não teve o motivo esclarecido.

De acordo com o depoimento, a consulta durou entre 15 e 20 minutos, como de costume. No relato, o médico associou o suposto “aumento da libido” da vítima ao fato de ela estar tomando hormônio. Ele disse que a secretária estava no consultório no dia dos fatos.

Os advogados Anna Paula Marszolek Albino e João Victor Neiva representam Marcelo na esfera cível. Procurada, a defesa afirma que o médico é inocente, “possui 32 anos de profissão e nenhuma conduta desabonadora”.

A defesa avalia que, como não foi reconhecido o ilícito penal, o médico não deve pagar indenização. Os advogados entraram com recurso de apelação para “que a justiça seja feita e não haja conflito entre as decisões emanadas pelo Poder Judiciário”.

Procurado, o advogado Eugênio Malavasi, que defende o ginecologista na esfera criminal, diz não ter relação com o processo em âmbito cível.

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