Ela e a filha, de 63 anos, moram a 21 no entorno do estádio e afirmam que nunca viveram situação semelhante.
Uma casa próxima ao estádio Urbano Caldeira, a Vila Belmiro, foi atingida por um tiro de borracha durante o tumulto generalizado que aconteceu após o Santos FC ser rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro. Uma das moradoras contou neste sábado (9), que o disparo quebrou a janela da sala da residência em Santos, no litoral de São Paulo.
O Peixe foi derrotado em casa pelo Fortaleza nesta quarta-feira (6) e ficou na 17ª colocação do Campeonato Brasileiro, sendo rebaixado para a Série B da competição. Antes mesmo do apito final da partida, um grupo de torcedores atirou pedras, coquetéis molotov e outros objetos contra a Vila Belmiro e policiais que estavam na região.
A aposentada Fatima Leon Mesquita Urbano, de 63 anos, contou que mora com a mãe e o sobrinho na Rua Paysandu, a uma quadra do estádio, e a casa foi tomada pelo gás lacrimogênio disparado pela PM para dispersar os vândalos. Por isso, a família não conseguiu dormir durante o tumulto.
“Minha mãe tem 86 anos e por uns segundos [a bala] não a atinge”, disse a aposentada.
Ela contou que Nair Leon Mesquita tinha fechado as janelas e cortinas momentos antes do tiro atingir a casa, por volta da 1h desta quinta-feira (7). “Quando nos dirigirmos para a cozinha, escutamos os estilhaços do vidro”, relembrou a aposentada.
Fatima explicou que não chegou a ouvir o barulho do disparo por conta do som da confusão que estava na rua. Por isso, ela e os familiares chegaram a pensar que o vidro tinha sido quebrado por uma pedra. “Depois o meu sobrinho achou o artefato de borracha perto da mesa”, disse.
“Ficamos assustadas e corremos para outro cômodo da casa que as janelas não dão para a rua, com toalhas úmidas na boca e nariz por causa do cheiro forte”, relembrou a mulher.
Segundo Fátima, a família mora há 21 anos no local, mas nunca tinha presenciado “essa guerra”. Desta forma, registrou um boletim de ocorrência por meio da Delegacia Eletrônica.
Procuradas, a Polícia Militar (PM) e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) não se manifestaram sobre o caso até a publicação desta matéria.
Repórter atingido
Um repórter da TV Tribuna, afiliada da Rede Globo no litoral de São Paulo, foi atingido por uma garrafa de vidro enquanto trabalhava na cobertura da partida. Matheus Croce estava fazendo imagens da confusão envolvendo torcedores quando um deles arremessou o objeto contra a Polícia Militar (PM) e acabou atingindo o jornalista.
Ao g1, Croce contou que não teve ferimentos graves por sorte, pois a garrafa bateu em um fio de alta tensão antes de atingi-lo. “O fio de alta tensão acabou cortando o impacto da garrafa de não vir tão rápido, porque se não ia acabar estourando em mim”, afirmou o repórter.
Segundo o jornalista, além do objeto acertar seu ombro e rosto, a garrafa também chegou a bater em outro cinegrafista da TV Tribuna. Ninguém se feriu gravemente, mas Matheus Croce revelou que a situação gerou medo.
“Além de ser atingido, a gente ficava com receio de que algo podia acontecer a qualquer momento porque a situação acontecia de todos os lados. Tanto de gente atirando coisas contra os policiais como hostilizando a gente”, relembrou.
Matheus Croce foi atingido enquanto trabalhava na cobertura sobre o rebaixamento do Santos FC — Foto: Matheus Croce/TV Tribuna
Em investigação
A Polícia Civil investiga o tumulto generalizado na Vila Belmiro. Os agentes usaram munição de menor potencial ofensivo para dispersar o tumulto. Durante a ação, 11 policiais ficaram feridos e duas viaturas foram danificadas. Ninguém foi detido.
Segundo a Secretaria de Segurança de São Paulo (SSP-SP), os policiais militares foram acionados para conter atos de vandalismo de torcedores revoltados com o resultado da partida. Seis ônibus e quatro carros foram incendiados pelos torcedores, que também avançaram contra os policiais, arremessando garrafas, pedras e fogos de artifício.
Lixo e destruição no entorno da Vila Belmiro, em Santos, no litoral sul de São Paulo, na manhã desta quinta-feira, 7 de dezembro de 2023, após a derrota da equipe Santos na última rodada do Campeonato Brasileiro. O rebaixamento do time para a Série B do Brasileirão – o primeiro da história do clube – terminou com a invasão e morteiros atirados no campo da Vila Belmiro após a partida. Do lado de fora da Vila, santistas arremessaram pedras em direção a um dos portões de acesso ao estádio. Os policiais tiveram dificuldade para conter a violência. O corpo de bombeiros precisou intervir após a série de morteiros atirado na rua à frente da Vila Belmiro e carros e ônibus foram queimados. — Foto: GUILHERME DIONíZIO/ESTADÃO CONTEÚDO
Ainda de acordo com a SSP, o caso foi registrado como dano, lesão corporal e incêndio no CPJ Santos, que solicitou perícia ao local e aos veículos.
Cenário de destruição
Um cenário de destruição foi visto pelas ruas da Vila Belmiro na manhã de quinta-feira (7), após o vandalismo cometido por torcedores santistas nesta quarta-feira (6). Além dos carros e ônibus incendiados, um CT foi pichado e casas ficaram sem energia elétrica por conta dos atos de vandalismo.
Imagens obtidas pela reportagem mostram o lixo espalhado nos arredores do Estádio Urbano Caldeira, com estilhaços de vidro pelo chão e lixeiras quebradas.
Vila Belmiro amanheceu com lixos pelos arredores — Foto: Vanessa Medeiros
Os incêndios registrados em veículos afetaram a fiação de uma rede de internet por fibra óptica na Avenida Senador Pinheiro Machado e deixaram casas sem energia elétrica na via.
Em nota, a CPFL Piratininga, responsável pela distribuição de energia na cidade, informou que um trecho da rede de distribuição na Avenida Pinheiro Machado foi atingida por um incêndio em veículo, causando interrupção de energia para clientes.
No entanto, equipes da companhia apoiaram o Corpo de Bombeiros no local e os trabalhos foram retomados no dia seguinte para os reparos necessários nas estruturas afetadas.
Pichação
A reportagem ainda teve acesso às imagens de uma pichação dizendo que o ‘time é sem vergonha’ no muro do Centro de Treinamento (CT) dos Meninos da Vila, localizado na Avenida Martins Fontes, no bairro Saboó.
Início da confusão
Antes mesmo do apito final da partida, um grupo de torcedores do Santos atirou pedras, coquetéis molotov e outros objetos contra a Vila Belmiro e policiais que estavam na região. Na sequência, os policiais reagiram com bombas de efeito moral e gás de pimenta, na tentativa de conter a situação.
Helicópteros e a cavalaria da Polícia Militar foram acionados para reforçar a segurança. Um vídeo mostra torcedores se organizando contra os policiais em frente a um hospital da cidade (assista acima).
Durante o confronto, enquanto os torcedores se afastavam do estádio, o tumulto continuou nas proximidades do bairro, com ônibus e automóveis sendo incendiados.
Ônibus foi incendiado após rebaixamento do Santos na Série B — Foto: Silvio Luiz
Rebaixamento
O Santos dependia apenas dele para permanecer na Série A do Brasileirão. Uma vitória, em casa, contra o Fortaleza poderia ter dado outro desfecho a um ano conturbado, em que o time sempre esteve próximo da Z4.
O clube terminou o campeonato com 43 pontos, na 17⁰ colocação, sendo superado por Vasco e Bahia — os concorrentes diretos.
O Bahia precisava, obrigatóriamente, vencer e contar com a derrota do Santos para permanecer na elite, e fez a lição de casa: 4 a 1 contra o Atlético MG.
O Vasco também fez a parte dele e ganhou do RB Bragantino por 2 a 1, com gol marcado no final da partida. Até os 30 minutos do segundo tempo, era o time carioca que cairia para a Série B, mas conseguiu vencer e, na sequência, o Santos ainda sofreu o gol da derrota para sacramentar o destino.
Santos x Fortaleza — Foto: Abner Dourado/AGIF